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No dia do contato e pós contato com os não indígenas 

Paiter: A epidemias e a fusão de Culturas 

Ao contar a história do dia do contato, é importante ressaltar que o povo Paiter Suruí já estava cansado de fugir e lutar com outros povos. Naquela época, havia lideranças responsáveis para coordenar e liderar o povo, mas estávamos fragilizados e a maior parte da nação Paiter Suruí já havia sido exterminada. Vários clãs simplesmente desapareceram, levando consigo grande parte do conhecimento acumulado por milhares de anos. Os poucos que sobreviveram lutavam para sobreviver e a única opção era o contato inevitável. Foi assim que, no dia 7 de Setembro de 1969, as lideranças decidiram ir ao encontro dos não indígenas. Dentro da limitação da área em que viviam, havia vários locais onde deixavam panelas, facões e espelhos, e foi em um desses locais que o encontro aconteceu.

O contato do dia 7 foi apenas um sinal de que nós iríamos interagir e buscar a aproximação com os não indígenas, mas no mesmo dia, após o contato, grande parte do nosso povo já estava se sentindo mal e doente. Não demorou muito para que todos estivessem passando mal, e a epidemia já havia tomado conta. Nesse momento, as lideranças da época foram ao encontro dos não indígenas para mostrar o que estava acontecendo e buscar assistência médica em razão da epidemia de sarampo. Eram tantos indígenas mortos que os próprios familiares não conseguiam enterrá-los. Depois que muitos já estavam mortos, conseguiram vacinar os sobreviventes. Nesse período, o povo paiter achou que era o fim. Nosso povo estava doente e fraco, e sobraram aproximadamente 290 sobreviventes.

Nesse período, o principal desafio era restaurar o povo e demarcar o território. Vários outros povos também estavam na mesma situação. A conturbada história das demarcações e "desmarcações", que deu origem à boa parte das terras indígenas de Rondônia, se aplica também à Terra Indígena Sete de Setembro criada para os Paiter. A demarcação dessa Terra Indígena ocorreu em 1976, e a posse permanente foi declarada pela Portaria 1561 de 29 de setembro de 1983 pelo então presidente da Funai, Octavio Ferreira Lima. Nesse momento, a terra indígena recebeu o nome oficial de "Área Indígena Sete de Setembro". Sua homologação ocorreu no mesmo ano, através do decreto nº 88867, em 17 de outubro de 1983, pelo presidente João Figueiredo.

De 1982 a 1987, os Paiter sofreram intensamente os impactos do contato com a sociedade não indígena, com a migração de milhares de pessoas para a região provocada pelo Programa Polonoroeste (Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil), cujo núcleo era o asfaltamento da Rodovia Cuiabá-Porto Velho, financiada parcialmente pelo Banco Mundial. Nesse contexto, perderam metade de seu território para projetos de colonização e empresas, que desconsideravam a homologação legal das terras. Os Paiter ainda tiveram suas terras invadidas por pequenos agricultores, comprimidos pelas empresas extratoras e empurrados para o interior das terras indígenas. Tais invasões tiveram sérios desdobramentos na saúde dos Paiter, particularmente nas crianças.

A partir dos anos 80, alguns jovens Paiter que dominavam a língua portuguesa em razão da necessidade de diálogo com os brancos, levaram suas reivindicações até a Funai. Nessa época cresceu entre os Paiter a consciência de como se constitui a sociedade brasileira e a necessidade de lutar pela defesa de seu território e de sua vitalidade cultural. Foram feitas viagens a Brasília para acompanhar passos da administração da Funai e fazer reivindicações. Nesse contexto, algumas tradições renasceram e os mutirões e festas persistiram, porém se adaptando aos novos padrões agrícolas, como o cultivo de arroz e uma maior dispersão da população.

A índole guerreira dos Paiter motivou uma resistência contundente desse povo aos invasores e exploradores de seu território. Entre 1971 a 1981, houve uma sucessão de choques armados entre os Paiter e invasores. Calcula-se que houvesse cerca de mil famílias não indígenas na TI. Apesar da interdição da área, o Incra continuava a estimular a entrada de migrantes em seus territórios, havendo venda ilegal de lotes, sendo a Cia. Itaporanga (Irmãos Melhorança) responsável pela introdução de várias famílias na área indígena.

       Diante dos conflitos, o governador do então Território de Rondônia (Humberto da Silva Guedes), o Ministro do Interior (Rangel Reis), o presidente da Funai (Ismarth de Araújo) e o Coordenador de Projetos do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Hélio de Palma Arruda) visitam a terra indígena com o intuito de apaziguar os ânimos e solucionar os problemas. O Governo demarcou a área recuando seus limites na parte sul em 9 km e no leste em 12 a 15 km. Para conter os invasores, parte da demarcação teve que ser feita com o apoio da Polícia Militar. A Funai não conseguiu conter as ações dos posseiros, que se recusaram a sair mesmo com a terra demarcada, destruindo marcos e placas da Funai.

        Em 1978 os invasores fecharam a estrada de Riozinho até o Posto Indígena Sete de Setembro, impedindo a entrada de funcionários e veículos da Funai, o que gerou atritos com os índios. A Funai solicitou o apoio do Exército, que, através do Grupamento de Fronteiras, se comprometeu a retirar os invasores e fez um cadastramento, computando um total de 652 pessoas ou 169 famílias.

          Em novembro de 1978, a terra indígena foi invadida por 20 famílias, que se apossaram de 10% do território. No início do ano seguinte os Paiter ameaçaram os invasores, que haviam construído uma estrada de 20 km e instalado uma serraria e uma beneficiadora de arroz dentro de seu território. Os conflitos se agravaram e o Ministro da Agricultura (Delfim Neto) se comprometeu a retirar os intrusos da área e assentá-los em outro projeto de colonização. Porém a promessa não foi cumprida. Em setembro os Paiter receberam a visita do Presidente da Funai (Adhemar Ribeiro), que também prometeu a retirada dos invasores.                No mês seguinte, foi a vez do diretor do Incra, que se comprometeu a retirar os invasores em abril de 1980. Passaram-se os meses e os invasores continuaram na terra indígena, questionando a qualidade dos lotes oferecidos pelo Incra. A Funai convenceu os Paiter a não atacarem os invasores, alegando que a Justiça os retiraria dali. Certos de que continuariam lá, os invasores moveram uma Ação de Manutenção de Posse no Fórum de Porto Velho e a Funai entrou com a Ação de Reintegração de Posse. Os invasores ganharam, através de uma Liminar concedida pelo Juiz de Porto Velho, o direito de permanecerem 90 dias na terra indígena. A Funai recorreu e a Liminar foi cassada.

          Cansados de esperar pela Justiça dos não índios, os Paiter expulsaram em outubro alguns dos novos invasores, fazendo com que os mesmos saíssem despidos e sem armas de suas terras. No mês de outubro de 1980 havia 87 famílias de invasores no interior da terra indígena, que foram gradativamente retiradas - recebendo terras em projetos de colonização, constituindo o primeiro caso na história indígena - e, um ano depois, restavam apenas três. Em 1981 todos os invasores foram expulsos, passando os Paiter a viver em aldeias formadas onde havia as plantações de café deixadas pelos não indígenas.

Além da proximidade da cidade e da imitação dos padrões dos colonos, a Funai introduziu um padrão alimentar baseado em arroz, feijão e açúcar para os Paiter. Isso gerou uma nova forma de plantar e um novo costume com horários definidos para as atividades alimentares, recreação e plantio. Como resultado, os Paiter tinham pouco tempo para caçar, pescar e realizar festas tradicionais. Além disso, eles estavam em péssimas condições de saúde e muitas vezes precisavam buscar assistência médica em hospitais de Cacoal e na Casa do Índio em Riozinho. Nesse contexto adverso, era fácil cair nas armadilhas dos madeireiros e funcionários corruptos.

Assim, pode-se entender que a adesão de alguns Paiter a acordos com madeireiros era uma resposta desesperada do grupo diante da falta de recursos e políticas públicas que garantam sua qualidade de vida e a integridade de seu território. Essa situação de fronteira cultural gerou um estado de anomia na sociedade Paiter.

Na segunda metade da década de 90, houve também a incidência de atividades de garimpo na TI Sete de Setembro. No entanto, como havia pouco ouro a ser extraído, essa atividade perdeu força rapidamente. Isso é diferente do que acontece com os vizinhos Cinta-Larga, que sofrem muito com a violência e a anomia social decorrentes do garimpo de diamantes em suas terras.

A possibilidade de acumulação de bens através da inserção parcial e provisória no mercado madeireiro e garimpeiro levou muitos Paiter a se estabelecerem na cidade de Cacoal. Lá, eles enfrentam preconceito e discriminação em virtude de sua identidade indígena.

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